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domingo, 4 de julho de 2010

A SAÚDE, QUE NÃO EXISTE E QUE É, SEMPRE, UM PRODUTO PODE SER VISTA COMO UM DIREITO?

Se você, cidadão do mundo atual (vivendo em qualquer cidade grande urbano industrializada em 2010) não fizer nada de especifico, se apenas se limitar a existir e se reproduzir no dia a dia, nunca será um ser saudável (e, ao contrário, provavelmente será vitima de alguma enfermidade e, também provavelmente, morrerá).
Para ser saudável é preciso,pois, sempre, em qualquer circunstancia, fazer algo.Portanto ninguém é saudável: fica-se saudável. Portanto, a saúde, em si, também não existe (pelo menos como o ar, a chuva, a noite existem).
Que “algo” é este que necessita ser feito?
Quem necessita fazer algo?
Se o sujeito do fazer for o indivíduo o algo a ser feito será ou um comportamento ou um ato de consumo, ainda que as duas coisas estejam muito ligadas entre si (visto que o próprio ato de consumo é também um comportamento).
Mas podemos e devemos distinguir um comportamento como, por exemplo, um indivíduo parar de fumar do ato de tomar um analgésico para se livrar de uma dor de cabeça, podendo o primeiro ser um comportamento no sentido de ato espontâneo da vontade e o segundo, sempre, um ato induzido por ou, mais precisamente, devido a existência de um ente externo.
O sujeito da saúde pode também ser coletivo na forma de:
• Um grupo (uma família por exemplo);
• Uma coletividade (os cidadãos participativos da zona leste do município de São Paulo, por exemplo);
• Uma classe social (os empresários, os trabalhadores, por exemplo)
• Uma corporação profissional (os proprietários dos moinhos de trigo, por exemplo)
• Um ente público (o Ministério da Saúde, o Estado in abstrato, por exemplo).
Da mesma forma que os indivíduos, os sujeitos coletivos também podem se comportar ou consumir. O Ministério da Saúde pode se comportar, por exemplo, emitindo um nota sobre a epidemia de gripe suína ou comprar de uma empresa de propaganda uma campanha contra a AIDS para o carnaval de 2011 no Brasil.

Enfocando questão de um ângulo mais geral podemos dizer que as sociedades atuais transformaram-se e estão se transformando em gigantescos sistemas produtivos, de sorte que a própria definição de sociedade acaba se confundindo com a de sistema produtivo. Viver em sociedade, como assinala Bauman equivale cada vez mais a viver em sociedades de consumo onde tudo é produzido para ser consumido, e onde os indivíduos são obrigados a produzir para poder consumir e a consumir para poder viver.
Em tais sociedades a saúde tende cada vez mais a ser um produto a ser adquirido e, portanto a existir naturalmente cada vez menos enquanto a doença, inversamente, tende cada vez mais a existir, naturalmente.Para que a saúde consiga se transformar cada vez mais num produto é preciso que, no plano simbólico responsável pelo processo de naturalização, ela passe a existir cada vez menos e a doença cada vez mais.
Tudo isso, portanto, nada tem de natural, constituindo construções históricas naturalizantes necessárias para que o produtivismo galopante encontre justificativa (ou seja pareça provir da “ordem natural das coisas”) no plano simbólico.
A conseqüência disso é que nas sociedades em questão, as oportunidades para a doença ou mais precisamente para o homem adoecer tendem a se multiplicar exponencialmente em quantidade e qualidade o que faz com que o próprio conceito de doença tenda cada vez mais a perder especificidade, passando a equivaler a tudo o que, ainda que remotamente, possa ofender um modelo constantemente criado e recriado de corpo/mente ou de funcionamento corporal/mental.
Neste processo de expansão, à saúde concebida como negação primária de um estado de equilíbrio devida à presença da doença e conseguida por meio do consumo de algum produto saudável acrescente-se o que chamamos de “mais saúde” ou seja a saúde obtida não a partir de uma doença a ser negada mas a partir de um “estado zero” de saúde ao qual possa-se somar “mais saúde” tendendo saúde, neste caso, a se aproximar da idéia de “performance”, sendo esta uma das razões do sucesso crescente do esporte como oportunidade para a produção e reprodução, no plano material e simbólico, da idéia de performance.
Fazendo parte deste processo crescente de diluição da idéia de saúde, a associação de saúde com beleza de modo a que as duas coisas tendam a não mais se distinguir torna-se cada vez mais clara e visível.

Na contramão de todo este processo, a saúde (e as demais áreas assim chamadas “sociais” – como se alguma área não fosse social - como a educação, a alimentação, o trabalho, o transporte) é vista entre nós, no quadro do ordenamento jurídico formal, como um direito de cidadania.
A pergunta que fica e que é preciso ser feita é: neste quadro, completamente irreversível, de mercantilização generalizada, qual o sentido de “saúde como direito”?
Saúde como direito (do cidadão e dever do Estado, segundo a constituição brasileira) equivale dizer que todos (os brasileiros) tem direito a obter saúde independentemente da sua capacidade individual de comprá-la no mercado?
Ou quer dizer que a capacidade individual de comprar saúde num país como o nosso com as suas desigualdades estruturais e históricas de distribuição de renda, deve ser remediada e compensada por meio dos serviços públicos e (ditos) gratuitos de saúde custeados pela conjunto da sociedade via impostos, para os que não podem paga-la diretamente?
O modo como a mídia brasileira representa os equipamentos e os serviços públicos de saúde e os próprias representações sociais sobre tais serviços por parte da população usuária parecem indicar que a saúde ( e os demais serviços ditos sociais) vistos como direito apresentam, entre nós, pouca chance de constituir um ilha de cidadania num mar de mercantilização.
Saúde vista como um direito, entre nós, adquire a forma de resto simbólico do “Estado do Bem Estar” na medida em que aparece, inquestionavelmente, como um bem de consumo indispensável mas, enquanto tal, inacessível para uma parcela ponderável da população, ainda excluída ou mal incluída no mercado de consumo.