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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Denunciando a denúncia

DENUNCIANDO A DENÚNCIA: O PAPEL DA REPRESENTAÇAO SOCIAL


Fernando Lefevre
Ana Maria Cavalcanti Lefevre


Hoje, mais que nunca, neste nosso momento eleitoral (outubro de 2010), parece fundamental discutir o ato denunciante e a sua relação comunicacional que envolve emissores e receptores de denúncias.

Trata-se de submeter a denuncia a um exame mais detalhado que pode orientar-nos no terreno pantanoso da ação política submetida a influencia das mídias.

Nesse sentido, podemos avançar a idéia que a fala denunciante, tão típica do discurso midiático, pode ser adequadamente entendida usando-se o conceito de representaçao social.

Imaginemos uma denuncia qualquer. Ela em geral tem a forma: “ ele (o político, o ministro, o funcionário de alto escalão, o filho do ministro, etc.) está sendo acusado de ter cometido um delito (desviado dinheiro, ajudado amigos, favorecido parentes, etc.). Segundo depoimento de fulano de tal (secretaria, chofer, etc.) houve um encontro no dia tal...Telefonemas gravados secretamete revelam que, etc”.

Segue-se:

“...o (ministro, político, funcionário) em nota oficial desmente a acusação dizendo que está sendo vítima de uma campanha difamatória movida por seus inimigos, que está sendo perseguido pela mídia, etc.”

O fato denunciado fica assim tão “natural” que parece brotar do nada, e este efeito é conseguido pela reiteração de representações sociais fortemente ancoradas na cultura (do tipo: políticos roubam, funcionários traficam, candidatos mentem, etc.) que, por este mecanismo, fazem desaparecer o próprio ato instituinte da denúncia e a responsabilidade do sujeito denunciante.

Ou seja, como a representação social dominante coloca, a todo momento, que “políticos roubam, funcionários traficam, etc.” então o simples anúncio de uma suspeita de desvio equivale à descoberta de um desvio: o anúncio da suspeita cria o objeto da suspeita.

Fica claro então que a denúncia, para produzir o efeito desejado é inserida na temporalidade (imediata) e no contexto da comunicação, ou seja, no momento e no terreno das representações sociais; o que implica que fica retirada do espaço jurídico, que deveria ser seu leito natural.

Não importa pois, pela via jurídica, averiguar se a denuncia é ou não verdadeira porque a sua “verdade” já está assegurada via reiteração da representação social.

Além disso, pelo menos entre nós, a própria ordem jurídica está submetida à tirania da representação social na medida em que é entendida como ineficiente e ineficaz porque necessariamente dilatada no tempo e, portanto, incompatível com as exigências imediatistas da modernidade e, ademais (vista como) sujeita a toda sorte de manipulações e recursos, vistos (pelo senso comum) como manobras protelatórias e artificiais destinadas, no fundo, a impedir a emergência da culpa (já previamente estabelecida).

Some-se a este processo de instituição da realidade recursos tecnológicos como câmeras ocultas, gravadores embutidos, etc. que revela a presença da representação analógica ou “motivada” da realidade escondendo-se como representação para aparecer como espelho do real, escamoteando a evidencia de que fatos são sempre coisas fabricadas (ainda que com dados de realidade).

Em suma, a denúncia, implicitamente, “purifica”, inocenta e cobre de glória os dois sujeitos, a instância denunciante e o leitor a quem está destinada a denúncia (bem como a relação de parceria entre ambos, aquela que se revela quando o jornal se anuncia de “rabo preso com o leitor”) colocando-os, na qualidade de participantes do meta-discurso-sobre a realidade, fora do discurso-da- realidade como demiurgos da verdade moral e espectadores do “mundo mau”.

E, paradoxalmente, a denúncia deste “jogo comunicacional” é visto pela instancia denunciante e pelos que nela acreditam piamente, como um atentado à liberdade e à democracia.

A denuncia, no quadro da comunicação num contexto de discurso politico não é, pois, entre nós brasileiros, uma verdadeira denúncia mas um uso político da denúncia. E este uso tem grande chance de produzir o resultado desejado, ou seja, condenar (antes de julgar) os envolvidos na denuncia, na medida em que se ancora numa representação social preexistente.

Temos pois uma espécie de silogismo do tipo:

Premissa básica (representação social): todo funcionário público desvia recursos, faz tráfico de influencia,etc.

Premissa adicional: No governo em tela este é mais um caso de uma serie de outros fatos denunciados que ademais são batizados como “escândalos”

Fato (escândalo) denunciado: ocorreram, no Ministerio x, alguns eventos que indicam um possivel caso de trafico de influencia da parte de funcionarios e/ou parentes de funcionarios.

Logo: trata-se de (mais um) escândalo e encaminhá-la como denuncia para um exame no plano jurídico em nada altera a sua natureza de escandalo constatado.

Uma das importantes funções das representações sociais é pois a de permitir que a probalidade do fato o tranforme de fato num fato real.

Aconteceu, mesmo, alguma coisa? Pouco importa. No campo da politica o que menos importa é investigar a verdade.

Um comentário:

  1. ótimo texto meus queridos! realmente pertinente nestes tempos em que o que elege um candidato é a forma como ele se expõe na mídia, expõe os outros candidatos (denegrindo suas imagens) e constrói sua campanha publicitária. Plataforma de governo é o que menos importa. Vou divulgar!
    Beijos!

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